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Edner Morelli: transgressão e lirismo
Publicado por Edilson Pantoja em Edner Morelli em 30 de setembro de 2010
Por Rudinei Borges
Latência, primeiro livro do poeta Edner Morelli, publicado em 2002, antecipou a onda de poemas e contos curtos que marcam a produção literária brasileira no fim dos anos 2000. Influenciada pelo advento do microblog twitter, a nova geração de escritores opta pela concisão. A ordem do dia é cortar palavras, como defende o escritor Marcelino Freire que em 2004 idealizou e organizou a antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século reunindo diversos autores para escrever histórias inéditas com menos de 50 letras. No entanto, antes de Millôr Fernandes, Xico Sá e Fabrício Carpinejar se tornarem, com versos e frases, presença certa no twitter, Morelli já escrevia poemas curtíssimos como o irreverente Poemeto esquerdo com apenas dois versos: “Não me apresento/ Nem a mim mesmo”. Tem menos de 140 caracteres.
Mas é preciso lembrar que a concisão já era desejo antigo de poetas modernistas como Oswald de Andrade em seu poema 3 de maio: “Aprendi com meu filho de dez anos/ Que poesia é a descoberta/ Das coisas que eu nunca vi”. Como também da poesia concreta e da obra de Paulo Leminski, por exemplo, com sua vasta produção de haicais .
De fato, a concisão é um dos méritos de Latência. Pena que nem todos os poemas curtos tenham o alcance filosófico anunciado por Caio Porfírio Carneiro no prefácio do livro. Algumas construções curtíssimas de Morelli são surpreendentes como o poema Relógios: “Relógios?/ Não os tenho/ São eles que estragam/ O tempo”. Ou no poema Infância: “Sonho/ De menino/ Não cabe/ No compêndio/ Do infinito”. Noutros momentos, porém, o poeta esbarra em construções que se assemelham a frase de efeito como no poema Conformismo: “Teorias e pensamentos/ Nada podem contra/ A linha obscura do desejo”. Ou no poema Cadência: “O amor é a coincidência/ Mais sincera existente”.
O poeta paulistano demonstra bastante fôlego em poemas como Instante, quando põe as cartas sobre a mesa e confessa, sem medo, ao leitor o que significa para ele a própria poesia. Vejamos:
“A vida sem poesia
Não começa nem termina
Não há essência nem pantomina
Não questiona nem obriga
Não intimida nem contamina”.
O mesmo ocorre no poema seguinte, Surpresa, onde o poeta escancara, com alguma serenidade, as frestas de sua criação poética. A poesia está no cotidiano, ele sussurra. Ou melhor, a poesia é o cotidiano, ele afirma:
“Pobrezinho
E ele que pensa
Que poesia
É só distorção
Complicação
Nada disso
Poesia também
É o cotidano
Bordado de elegância”.
Os poemas maiores são confissões angustiadas. A vida, no poema que dá título ao livro, é cruel. O poeta é aquele que tem as agruras como matéria-prima de sua criação: “Meus poemas estão perfilados/ Amotinados e confinados/ Dentro de minhas incertezas”. Os versos em primeira pessoa desenham o rosto estarrecido do poeta diante das veredas do próprio ofício: “Sou uma vertente do amor/ Que insiste em sonhar cores inexistentes”. Nestes versos do poema Insistência, Edner Morelli veste definitivamente o hábito da transgressão lírica.
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Livro: Latência
Autor: Edner Morelli
Editora: Atemporal, São Paulo
Páginas: 64
Ano: 2002
Onde comprar: No blog do autor
www.captacaodosegundo.blogspot.com